quinta-feira, 25 de agosto de 2011

“Lavapés teve começo, mas não terá fim”

1. Introdução

Tradicional escola de samba do bairro do Glicério, a Lavapés tem na tradição, o que há de mais precioso em uma escola de samba: a identidade com os fundamentos de sua cultura.

Dona de um valor histórico que ultrapassa os atributos de 69 carnavais vividos desde 1937, a Lavapés é referência para todas as co-irmãs da capital bandeirante, afinal ela é a mais antiga escola de samba em atividade na cidade de São Paulo.

Foi fundada no dia 09 de fevereiro de 1937, após uma conversa entre três personagens do samba paulista: Madrinha Eunice (Deolinda Madre), Chico Pinga (o Francisco Papa) e Zé da Caixa (José Madre).Nasceria aí, a agremiação que simboliza o samba paulista. A presença do samba de bumbo de Pirapora em inúmeras atividades da escola é outra de suas marcas, além dos 19 títulos máximos que a escola alcançou durante sua história.

Além dos campeonatos conquistados, a Lavapés contribuiu na formação de inúmeros protagonistas do mundo do samba paulistano. Grandes dirigentes,intérpretes e sambistas passaram por ali. Entre outros podemos citar:

- Jonas da Galvão, presidente da Unidos da Galvão Bueno, já extinta;
- Silval Rosa, fundador e presidente da Império do Cambuci, atual Embaixador do Samba;
- José Jambo Filho, o Chiclé, presidente da Vai-Vai, atual Embaixador do Samba;
- Inocêncio Mulata, refundador e presidente da Camisa Verde e Branco, Baluarte do Samba;
- Carlão do Peruche, fundador e presidente da Unidos do Peruche, Cidadão Samba e atual Embaixador do Samba;
- Germano Mathias, intérprete tradicional do samba paulistano;
- Tadeu, atual mestre de bateria do Vai-Vai.

2. A História: Tradição e Modernidade


A Lavapés teve a especial felicidade de ter nascido numa região particularmente tradicional na história da nossa cidade e do nosso samba.

Uma das regiões mais antigas da cidade, a Liberdade e sua baixada conhecida como Glicério, foi sempre uma área de ocupação popular, em especial da população negra paulistana.

À época da fundação da Lavapés, a Liberdade/Glicério já era um núcleo cultural muito forte. Contava com salões de baile, cordões, ranchos e blocos carnavalescos. Além disso, a festa de Santa Cruz, realizada em 3 de maio era marcada pela presença do tambu e do samba de bumbo de Pirapora. Era desde então, um ponto de encontro dos bambas da Paulicéia.

Por outro lado, Madrinha Eunice, nascida em Piracicaba, era também conhecedora da cultura e da tradição negras daquela importante região do interior paulista. Frequentadora assídua da festa de Bom Jesus de Pirapora, Dona Eunice fazia questão de preservar os laços de sua comunidade com a cultura de seus antepassados.

Apesar de profundamente apegada à tradição, Deolinda Madre, não se fechou às novidades de seu tempo. Desfrutando já de um certo prestígio, o desfile das escolas de samba cariocas ensaiava em 1936 o grande espetáculo que viria a exibir nas décadas seguintes. E foi numa viagem feita neste mesmo ano, junto com seu marido Chico Pinga, que ela conheceu de perto o saudoso carnaval da Praça Onze.

Ao retornar, resolveu junto com seu marido e o irmão José Madre, além de outros conhecidos, amigos e vizinhos, fundar aquela que viria a se tornar a legenda do samba paulistano, a Sociedade Recreativa Beneficente Escola de Samba Lavapés.

Assim, mesclando a experiência que Chico Pinga já possuía nos desfiles do Bloco Baianas Paulistas, dali mesmo na Liberdade, junto com a vivência cultural da Madrinha Eunice e Zé da Caixa, a Lavapés já nasceu inovando.

Trouxe do Rio de Janeiro a idéia de desfilar ao ritmo de samba,diferenciando-se dos tradicionais cordões carnavalescos, como o Camisa Verde e o Vai-Vai que executavam uma espécie de “marcha sambada”, e dominavam o carnaval de então.

É verdade que já havia uma pequena escola de samba na cidade, a Primeira de São Paulo. Mas a sua duração foi efêmera, tornando-se a Lavapés de fato, o farol de referência na história das escolas de samba paulistanas.

Realizando seu primeiro desfile no antigo Carnaval do Brás no ano de 1937,a vermelho e branco do Glicério iniciava sua evolução pelas ruas da cidade, a partir da casa da Madrinha Eunice, na rua Galvão Bueno.

Além de sua formidável bateria, a Lavapés distinguiu-se por uma característica que Dona Eunice tornou marca registrada da escola: a presença da ala de baianas, cuja primeira integrante foi Maria Rosa. Tão intensa foi esta tradição que até mesmo o símbolo da escola ostenta a figura da baiana como seu ícone maior.

Em pouco tempo a agremiação cresceu e conheceu sucesso até hoje não alcançado por qualquer escola de samba. O seu primeiro título foi conquistado na Cidade da Folia em 1942, em desfile promovido pela Rádio Record. A Cidade era uma área de lazer que a Companhia Antártica disponibilizava para os desfiles carnavalescos na região da Água Branca.

Depois desta conquista iniciou-se uma longa sucessão de 19 títulos conquistados seguidamente até o ano de 1961. Ainda que em alguns anos, vários desfiles tenha sido promovidos por diferentes promotores, nenhuma agremiação conseguiu manter a supremacia durante tanto tempo.

Paralelamente, as inovações não paravam, e tiveram um marco decisivo por volta de 1950, com a chegada de Popó, um sambista carioca que tendo mudado para São Paulo, logo se envolveu com a Lavapés. Dessa convivência, surgiria a introdução das figuras de mestre-sala e porta-bandeira, sendo Maria Rosa a primeira, além da comissão de frente.

Foi por esta época que começaram a surgir também os primeiros sambas feitos por compositores da escola, exclusivamente para o desfile de carnaval. Madrinha Eunice, Chico Pinga, Popó e Doca, foram parcerias constantes até 1968. Os sambas eram chamados de samba-tema, sendo o primeiro deles “São Paulo Antiga”, dos citados compositores. Anteriormente as escolas cantavam apenas os sucessos do rádio comercial.

Em 1968, a Lavapés conseguiria uma área na Rua Barão de Iguape, 985,para realização de ensaios e atividades sociais, local da sua sede até 2005.

A Lavapés esteve presente também em todos os esforços de união das demais escolas e de organização dos desfiles, tendo atuação marcante no movimento de sambistas que oficializou o Carnaval em 1968.

A oficialização do Carnaval foi responsável por uma nova era na história das escolas de samba paulistanas, marcada, sobretudo pelo aumento constante dos custos para produção dos desfiles. Os gastos cada vez mais elevados exigiam modernas estruturas de organização e arrecadação de recursos.

Esse novo tipo de organização chocou-se com o modelo tradicional da Lavapés, marcado pela total centralização das decisões em torno de Madrinha Eunice. As novas exigências foram responsáveis pela crise que atingiu inúmeras e tradicionais escolas de São Paulo. Algumas não suportaram e vieram a extinguir-se. Outras conheceram períodos amargos marcados pelos sucessivos
rebaixamentos. Até mesmo os cordões deixaram de existir e transformaram-se em escolas de samba.

A Lavapés, igualmente atingida, ainda conseguiu manter-se até 1975, entre o primeiro e o segundo grupos. A partir deste ano, porém, iniciou um processo de crise que culminou com a queda para vaga aberta em 1981. Alguns anos depois, o falecimento de Madrinha Eunice viria abalar profundamente a vermelho e branco do Glicério.

No entanto, como toda instituição gloriosa, a Lavapés superou a ameaça de extinção, ressurgindo com toda a força e galhardia, agora sob a presidência de sua neta, Rosimeire Marcondes.

Ainda que enfrentando dificuldades iniciais, Rosimeire devolveu à escola a esperança, reconstruiu a sua auto-estima e lidera atualmente a caminhada rumo ao Grupo Especial.

A Lavapés hoje, além de se constituir na depositária maior das melhores tradições do samba paulistano, retoma sua característica de inovação,procurando desenvolver projetos sócio-culturais que busquem integrar sua grande comunidade na grande praça da cidadania.

Nessa nova trajetória tem como seu mais recente triunfo, o título de campeã do Grupo III, no Carnaval de 2007.

Mais do que nunca, ecoa na memória de todos os sambistas, a frase sempre repetida por Madrinha Eunice:

“Lavapés teve começo, mas não terá fim”.

Lígia Fernandes Araújo

                        Max Christian Frauendorf

Renato Dias



Revisado em 20/06/2006